quarta-feira, 9 de setembro de 2015

Alguns trechos a partir da página 200 - O ato fotográfico - Philippe Dubois

12ª Edição
Tradução Marina Appenzeller
Campinas, SP: Papirus, 1993.

"Sem pretender de forma alguma fazer uma análise completa (será que alguma vez ela foi de fato feita, aqui menos do que em outra parte?) dessas Equivalências nebulosas, gostaria contudo de me demorar em alguns aspectos dessas chapas e torná-las uma forma de emblema final, ou seja, fechar com nuvens este livrinho, da mesma forma que o abri com o autorretrato de Michael Snow. Entre Authorization e Equivalents estão de certa maneira todas as apostas do ato fotográfico que serão reveladas." p. 200 e 201

" A operação de (re)enquadramento interno, que vem inscrever o recorte quadrangular na figura circular, faz-se de início por um dispositivo mecânico, funcional, totalmente simples, que foi introduzido com esse intuito na caixa entre a objetiva e a película sensível: é o que chamamos, não por acaso, a janela. É ela que é o verdadeiro embreante da relação entre espaço representado e espaço de representação. Ela é um operador central que define, por sua circunscrição quadrangular, uma estruturação espacial absolutamente fundamental. Ela se encontra, aliás, por toda a parte na prática fotográfica, em que não cessa, sob todos os tipos de formas, de repetir o gesto do enquadramento (ou do retangulamento) em todas as etapas do processo: janela na câmara com telêmetro, espelho e visor nas câmeras reflex, janela nos ampliadores, marginadores para os papéis e até nas molduras nos emolduramentos para exposição: nada além de retângulos e quadradados que se duplicam ao infinito." p. 211 e 212

" Didi-Huberman: 'Não se via quase nada, isto é: já se via algo além de um nada nesse quase. Via-se, portanto, de fato, algo' " p. 224

"Enquanto as imagens, que na maioria das vezes são signos simbólicos, alegóricos, compósitos, só são colocadas num lugar por um tempo, os lugares permanecem na memória. As imagens que neles depusemos, na medida em que não precisamos mais lembrar-nos delas, apagamo-las. E os mesmos lugares podem ser reativados para receber um outro conjunto de imagens destinado a um outro trabalho de memória." p. 315

"A foto? Não acreditar (demais) no que se vê. Saber não ver o que se exibe (e que oculta). E saber ver além, ao lado, através. Procurar o negativo no positivo, e a imagem latente no fundo do negativo. Ascender da consciência da imagem rumo à inconsciência do pensamento. Refazer de novo o caminho do aparelho psíquico-fotográfico, sem fim. Atravessar as camadas, os extratos, como o arqueólogo. Uma foto não passa de uma superfície. Não tem profundidade, mas uma densidade fantástica. Uma foto sempre esconde outra, atrás dela, sob ela, em torno dela. Questão de tela. Palimpsesto." p.326.





Da coisa à imagem...

"Da coisa à imagem, o caminho nunca é reto, como creem os empiristas e como queiram os enunciados do verdadeiro fotográfico. Se a captação requer um confronto entre o operador e a coisa, no decorrer do qual esta vai imprimir-se na matéria sensível, nem por isso a coisa e a imagem se situam em uma relação bipolar de sentido único. Entre a coisa e a imagem, os fluxos não seguem a trajetória da luz, mas dirigem-se a sentidos múltiplos. A imagem é tanto a impressão (física) da coisa como o produto (técnico) do dispositivo, e o efeito (estético) do processo fotográfico. Ao invés de estarem separadas por um 'corte semiótico' radical, a imagem e a coisa estão ligadas por uma série de transformações. A imagem constrói-se no decorrer de uma sucessão estabelecida de etapas (o ponto de vista, o enquadramento, a tomada, o negativo, a tiragem, etc.), através de um conjunto de códigos de tradição empírica: códigos ópticos (a perspectiva), códigos técnicos (inscritos nos produtos e nos aparelhos), códigos estéticos (o plano e os enquadramentos, o ponto de vista , a luz, etc.), códigos ideológicos, etc. Muitas sinuosidades que vêm pertubar as premissas tão sumárias dos enunciados do verdadeiro fotográfico."

Rouillé, André. A fotografia - entre documento e arte contemporânea. Tradução de Constancia Egrejas. São Paulo: Editora Senac São Paulo, 2009. p. 79

terça-feira, 8 de setembro de 2015

Solução

" 'Para inventar ou encontrar uma solução, é preciso se engajar completamente, de corpo e alma, com toda minha subjetividade. E, por meio dessa resistência frente ao fracasso, acabarei tendo a intuição da solução. Mas, deve-se sublinhar, a intuição nasce da intimidade com a tarefa, com a matéria, com o objeto técnico, que resistem. É preciso fracassar, resistir, recomeçar, fracassar de novo, persistir, voltar ao trabalho e, em determinado momento, surge uma ideia, uma solução, que é fruto do fracasso, da familiarização com ele. A solução vem da capacidade de resistir ao fracasso, isto é, da capacidade de sofrer.' Mas '[...] o sofrimento não é somente a consequência contingente e lamentável do trabalho. O sofrimento é, ao contrário, o que move o sujeito que trabalha a buscar a solução para se libertar desse sofrimento que o aflige. Poderíamos mostrar que o sofrimento é também o modo fundamental pelo qual se constitui esse conhecimento extraordinário do real, o conhecimento íntimo que é também um conhecimento pelo corpo. É o corpo que toca o mundo e a resistência que se opõe à nossa técnica. E é desse conhecimento pelo corpo que emana, em determinado momento, a ideia, a intuição do caminho que permitirá contornar o real e superá-lo.
      Poderíamos mostrar também que essa resistência à luta com o real conduz por fim a um deslocamento de si. É preciso alterar a própria relação com o trabalho para encontrar a solução, de maneira que, no fim das contas, trabalhar nunca é somente produzir, mas é também transformar a si próprio.' "




Christophe Dejours, Entre o desespero e a esperança: como reencantar o trabalho?, p. 51 citado por Adriana Castilho Bento, fazeres em transformação: reflexões sobre as práticas artísticas e pedagógica, (Trabalho de conclusão de curso de Educação Artística com habilitação em Artes Plásticas apresentado ao Departamento de Artes Plásticas da ECA-USP. Orientação Profª Drª Sumaya Mattar Moraes e co-orientação do Profº Drº Marco Francesco Buti, 2009) p. 81 e 82.

segunda-feira, 7 de setembro de 2015

nº 2


"Fala-se muitas vezes da violência do rio que transborda nas margens; porque jamais se fala da violência das margens que encerram o rio?"



Trecho que está no livro O ato fotográfico, de Philippe Dubois, p. 353.

Sobre um filme do Godard, Número 2.  A fala de um de seus personagens.